Conteúdo objetifica o corpo das mulheres e influencia comportamento dos homens
Essa matéria foi escrita por Bruna Soares e foi originalmente publicada no site Sexo em Pauta.
No Brasil, 22 milhões de pessoas afirmam consumir pornografia, de acordo com dados levantados por uma pesquisa do canal Sexy Hot. No entanto, este tipo de conteúdo pode interferir de forma positiva ou negativa sobre a mente humana. A função benéfica é a de ampliar o repertório de fantasias sexuais e proporcionar excitação e prazer aos seus consumidores. Contudo, segundo o psicoterapeuta sexual, Alexandro Paiva, os padrões reproduzidos em vídeos podem resultar em insegurança masculina no que diz respeito a tamanhos de pênis, desencadeando, consequentemente, possíveis quadros de ansiedade e disfunção erétil na hora do sexo, além de compulsão pela prática masturbatória.
“Em casos de demasiado consumo de material pornográfico, é comum que o homem sinta uma necessidade crescente de estimulação sexual, para que possa ficar excitado, ter uma ereção e atingir o clímax sexual. Esse fato tende a intensificar ainda mais o consumo de pornografia, uma vez que as relações presenciais normalmente passam a não ser tão procuradas”, afirma Paiva. De acordo com o psicoterapeuta, a inibição do desejo por encontros sexuais com pessoas reais se dá por conta do amplo número de materiais pornográficos oferecidos atualmente e podem acarretar, ainda, em dificuldades de estabelecer vínculos e relação de intimidade com possíveis parcerias.
Ambos os públicos, homens e mulheres, têm recepções diferentes quando acessam o mesmo material. Apesar de um recente movimento de mulheres na direção de filmes pornográficos, Alexandro Paiva relata que, na atualidade, a produção continua a ser feita, principalmente, pelo e para o público masculino. “Há uma quantidade considerável de filmes que exibem a mulher como sendo alguém que ocupa um lugar inferior ao ocupado pelos homens”, reitera. A objetificação do corpo feminino é um dos elementos que narram as produções da indústria pornográfica e, segundo o psicoterapeuta, acaba por desconsiderar a mulher e seus respectivos desejos, expectativas e medos.
Esta questão, de objetificação do corpo feminino, é um dos aspectos presentes na pornografia que são motivos de reprovação e símbolo de lutas feministas. Para a jornalista Thayanne Porto, em conteúdos pornográficos, a mulher é retratada como um objeto sexual, presente na cena para dar prazer aos homens, e este fato demonstra o machismo presente nesta indústria. “Como consequência, aqueles que consomem esse tipo de conteúdo têm ideias errôneas reforçadas sobre como tratar mulheres e também em relações a questões mais básicas, como anatomia (já viu o clitóris ser peça-chave nesses filmes?)”, explica.
Confira na íntegra a entrevista com Thayanne Porto, que também é escritora do blog de sexualidade Que Nem Mocinha:
Sexo em Pauta – O ato de falar sobre pornografia é considerado um tabu? Por quê?
Thayanne Porto – Sim. Apesar de o Brasil ser um dos principais consumidores de pornografia do mundo, nós ainda não falamos sobre isso. Acredito que é por vivermos em uma sociedade muito contraditória: consumimos e muito, mas entendemos que sexo (e tudo relacionado a ele) é privado e até mesmo pecaminoso. Logo, vivemos numa hipocrisia sexual.
SeP – Os vídeos pornográficos desrespeitam as mulheres? De que maneira?
TP – Ao nos colocar como objetos sexuais em vez de seres sexuais, a indústria pornográfica passa a ideia de que as mulheres existem apenas para o consumo e prazer masculino. Até mesmo os vídeos que mostram relação entre duas mulheres servem esse propósito, já que não é bem assim que funciona na vida real. Além disso, rola um estereótipo bizarro sobre nossos comportamentos que reforçam uma cultura machista e a cultura do estupro: somos “indefesas”, mas usamos e abusamos do nosso corpo quando bem nos convém (para pagar uma pizza, por exemplo).
SeP – De que forma as mulheres são retratadas neste tipo de conteúdo?
TP – Seguimos estereótipos que reforçam o que o tipo de vídeo quer: ou somos inocentes, virgens (mas safadas!), ou somos já depravadas, loucas para dar. E nunca é por nossa vontade: é porque somos atraídas loucamente por um tipo de macho alfa.
SeP – Este cenário se relaciona com a cultura do estupro? Como?
TP – Total. Muitas cenas mostram que nós na verdade queremos, só estamos ~nos fazendo de difíceis~. Isso contribui para o imaginário popular que “mulher pede”, que, por sua vez, “justifica” os atos cometidos contra as mulheres. Não estou concordando, pelo contrário!, só estou reforçando que esse pensamento existe e que, ao reforçarmos isso na televisão ou em conteúdos pornográficos, nós (enquanto sociedade) estamos afirmando que mulher “pede” pra ser estuprada.
SeP – Na sua opinião, a ausência de educação sexual na formação de jovens “contribui” para a difusão da violência reproduzida nos vídeos?
TP – Sim. Nós não sabemos lidar com o nosso corpo e, na ausência de uma educação sexual de qualidade, acabamos por aprender na internet. Entendemos que aquele modo é o único correto de fazer sexo e lidar com nossas questões, porque não temos nenhum contraponto.
SeP – O pornô feminista representaria, então, uma solução de conteúdo sexual com diferente abordagem?
TP – Sinceramente, não sei dizer. Quando eu escrevi meu TCC sobre o tema, há mais ou menos dois anos, eu tinha certeza que sim. Hoje já não consigo afirmar isso por ter lido textos e opiniões diferentes. O que eu sei é que a indústria pornográfica dificilmente vai morrer, então o pornô feminista pode ser uma alternativa para a indústria mainstream. Mas é preciso entender o que chamamos de pornografia feminista: é só colocar a mulher como protagonista? Na minha opinião, não. É preciso entender o contexto social que levou mulheres a fazerem esse tipo de filme. Sim, algumas gostam, mas sabemos que a maioria não segue esse caminho por livre e espontânea vontade. Então, mesmo que seja um ambiente mais saudável e respeitoso, ainda sim estaríamos abusando dessas mulheres? Não sei responder isso, mas acredito que essa é uma discussão que valha a pena termos.
Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta Sexual (CRP 06/118772) com experiência no atendimento de clientes brasileiros e estrangeiros adultos (individual e casal), nas línguas inglesa e portuguesa. Especialista em Terapia Comportamental Cognitiva em Saúde Mental pelo Ambulatório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (AMBAN IPq HC FMUSP) e pela Proficoncept, certificada pela DGERT (União Europeia). Qualificação Avançada em Psicoterapia com Enfoque na Sexualidade pelo Instituto Paulista de Sexualidade (INPASEX). Membro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC).
Especialista em Língua Inglesa: Metodologia da Tradução pela FAFIRE, tendo atuado como Professor de Língua Inglesa por cerca de 10 anos (Brasil e China) e convivido com pessoas de diferentes culturas, mantém o PsycBlog. Trata-se de um Blog com Recursos Psicoeducacionais nas áreas da Psicologia e da Sexualidade.
Interesses principais incluem Psicologia, Sexualidade, Tradução, Línguas Estrangeiras, Viagens e Fotografia.
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